Aldeias de Dourados sonham com hospital, água e Araporã

Neste 19 de abril, instituído como o Dia dos Povos Indígenas, os cerca de 20 mil indígenas que vivem na reserva mais populosa do país (Reserva Indígena de Dourados – RID) das etnias Guarani, Guarani Kaiowá, Guarani Ñandeva e Terena mais uma vez não têm muito ou quase nada a comemorar. O Progresso teve uma longa conversa sobre a realidade vivida nas aldeias com uma agente de Saúde, que preferiu não se identificar, e o panorama por ela traçado não é nada animador.

A quatro quilômetros do centro de Dourados, a reserva de 3,5 mil hectares criada através de um Decreto assinado em 1917, faz divisa com o anel viário que conecta a cidade à rodovia MS-156, ao lado de plantações de soja, milho, cana-de-açúcar e condomínios de luxo. Nesses bairros, a água chega tranquilamente. Todos os moradores que fazem divisa com a aldeia têm água 24 horas. O condomínio tem asfalto, polícia, coleta de lixo. Mas, ao atravessar a rua e adentrar no território da Reserva não tem nada disso.

Se os demais serviços dificultam a vida dos moradores, a falta de água é o drama mais recorrente, vez que sua falta, sobretudo em condições de potabilidade para consumo humano, traz consigo as doenças como diarreia e vômito, principalmente em crianças, ponderou a Agente de Saúde, lembrando que há vários projetos para se levar água para a Reserva, mas nada ainda se concretizou.

“O atendimento clínico na Reserva é feito por apenas uma médica, que veio para Dourados dentro do Programa Mais Médicos”, relatou a agente de Saúde. “Os pacientes mais graves são encaminhados ou para o Hospital e Maternidade Porta da Esperança (o “Hospital da Missão”), para o Hospital da Vida ou o Hospital Universitário. É cena comum ver mães indígenas levando no colo, sob sol ou chuva, as crianças para atendimento no HU e no HV”, explica ela.

O “Hospital da Missão” foi inaugurado em 1963 e até certo período histórico cumpriu seu papel de oferecer atendimento aos indígenas. Foi lá que se revelou ao país e ao  mundo, por exemplo, a tragédia da desnutrição que resultou em duas Comissões Parlamentares de Inquérito. Hoje, porém, é uma estrutura pequena demais para fazer frente ao aumento da densidade populacional da Reserva.

Para a Agente de Saúde e para vários indígenas ouvidos pela reportagem, a construção de um hospital na Reserva seria (palavras da Agente de Saúde) “uma benção”. Se levado em conta a recorrência dos problemas de saúde na população, que é maior que a de muitas cidades do Estado, um hospital mudaria essa situação e, por conseguinte, traria mais dignidade aos moradores da Reserva.

Se para os moradores em geral a falta de atendimento, medicamentos e outras ações e serviços dificulta e até inviabiliza a vida, a situação é uma espécie de “beco sem saída” para 14 crianças com autismo e 37 com deficiências físicas, paralisia cerebral, deficiência intelectual, neuropatias, surdez, deficiência auditiva, baixa visão, entre outras deficiências, conforme relatório elaborado pela da PRODTEA – Associação de Pais e Responsáveis Organizados pelos Direitos das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista.

“Crianças vem perdendo movimentos e tendo atrofias por falta de atendimento fisioterapêutico; alunos com autismo crescem sem estímulos e terapias essenciais para desenvolvimento social, físico e emocional”, diz o relatório. Segundo a Agente de Saúde, essas crianças não tem atendimento na Reserva e são encaminhadas para atendimento em locais como a APAE.

Uma das causas para esse fato lamentável é que também no núcleo urbano o atendimento especializado e multidisciplinar para crianças Portadoras de Necessidades Especiais (PNEs) também é insuficiente para a demanda, havendo inclusive filas de espera em entidades como a Associação dos Pais e Amigos dos Autistas da Grande Dourados (AAGD)

O panorama traçado pela Agente de Saúde e os relatos ouvidos pela reportagem reforçam a necessidade de políticas públicas eficientes e de longo prazo, como é o caso da construção de um hospital dentro da Reserva. Sem isso, o Dia do Índio continuará sendo celebrado na espera do Araporã, expressão guarani que na tradução para o português significa “um tempo bom”.

Fonte: www.progresso.com.br