Bilhões de reais destinados à proteção do meio ambiente precisam de maior celeridade para serem destravados

Resoluções divergentes, além de múltiplas normativas estaduais e municipais, criam um emaranhado legal que dificulta a execução da política compensatória 

Bilhões de reais oriundos de processos de licenciamento de empreendimentos com significativo impacto ao meio ambiente aguardam para serem aplicados com maior celeridade e efetividade a favor da natureza no Brasil. São recursos que legalmente devem ser destinados à consolidação e manutenção de unidades de conservação (UCs) em todo o país. Em quase 20 anos, desde que o mecanismo da compensação ambiental foi instituído por lei federal, cerca de R$ 1,74 bilhão foi destinado à criação e manutenção de áreas protegidas federais no país. Entretanto, o montante é muito maior – difícil de ser somado e mesmo aplicado por esbarrar na falta de estrutura dos órgãos ambientais e em entendimentos jurídicos distintos em municípios, estados e União. 

Para fortalecer a atuação do Ministério Público brasileiro na busca de efetivar a aplicação do dinheiro de compensações ambientais relacionadas ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) e a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza lançaram nesta semana o livro eletrônico “A compensação ambiental do SNUC: manual de atuação do Ministério Público”. 

“Num momento em que as políticas ambientais vêm sendo cada vez mais enfraquecidas e nossos patrimônios naturais colocados em situação de precariedade, é preciso fortalecer as frentes de proteção do nosso meio ambiente. É justamente esse o objetivo do manual: fortalecer a atuação do Ministério Público para que se possa implementar, cada vez mais, o dever constitucional de proteção às áreas naturais no país”, explica a presidente da Abrampa, Cristina Seixas Graça. 

A Lei 9.985/2000, que criou o SNUC, estabeleceu em seu artigo 36 o mecanismo da compensação ambiental como forma de obrigar empreendimentos causadores de significativo impacto ao meio ambiente a destinarem recursos financeiros para a implantação e gestão de UCs no país, exigência vinculada ao licenciamento ambiental. Posteriormente, vieram regulamentações adicionais por meio de decretos e leis federais diversas. 

A quantidade de regramentos, no entanto, não se traduziu em maior efetividade do instrumento da compensação ambiental no Brasil. Resoluções e normativas de órgãos ambientais nem sempre convergentes, além de múltiplas legislações estaduais e municipais, criaram um emaranhado legal que dificulta a execução da política compensatória de proteção das UCs. “É comum, por exemplo, que empreendimentos se aproveitem de algumas lacunas e contradições legais para não terem de pagar a compensação”, explica a procuradora de Justiça e organizadora do manual da Abrampa, Sílvia Cappelli, que também é membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza. 

Construção em etapas 

Prática recorrente de empreendedores para driblar a lei é o desmembramento de grandes construções em fases ou unidades menores, de maneira que nenhuma delas atinja o patamar que as obrigue a elaborar o Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA). O EIA/RIMA é o documento que avalia, entre outros, o Grau de Impacto (GI) do projeto, valor de referência usado para calcular o montante compensatório. Com tal manobra, os empreendimentos fogem das regras do licenciamento ambiental e, consequentemente, ficam isentos do pagamento da compensação. Uma prática que merece atenção e fiscalização para que o real dano ambiental seja compensado. 

Um dos exemplos trazidos no livro é o setor de geração de energia elétrica. Enquanto a Resolução CONAMA n.º 001/1986 define como atividade modificadora do meio ambiente a geração de eletricidade acima de 10 megawatts (MW), os projetos de construção de parques eólicos são costumeiramente desmembrados em empreendimentos inferiores a este patamar, evitando a exigência do EIA/RIMA. “Destacamos esse e outros exemplos para alertar os membros do MP sobre as práticas mais comuns empregadas na tentativa de escapar das regras de compensação”, diz Cappelli. “A compensação não é uma sanção ou multa aplicada às empresas, mas uma etapa de todo e qualquer licenciamento ambiental para construções com grande impacto ao meio ambiente. É um instrumento essencial para a manutenção do SNUC e para as unidades de conservação”, avalia. 

A diretora executiva da Fundação Grupo Boticário, Malu Nunes, aponta que os Ministérios Públicos, federal e estaduais, têm sido, historicamente, defensores da garantia dos direitos ambientais. “Este estudo facilita a atuação do MP, na medida em que organiza e apresenta informações qualificadas sobre um tema específico e complexo. O fortalecimento das UCs é essencial para que seu uso público seja ampliado, atraindo as pessoas para conhecer as áreas protegidas e entender o valor da natureza, além de proporcionar o desenvolvimento socioeconômico das comunidades do entorno a partir da atividade turística.” 

A publicação 

Dividido em oito capítulos, “A compensação ambiental do SNUC: manual de atuação do Ministério Público” traz tabelas e gráficos didáticos que auxiliam procuradores e promotores a buscarem mais celeridade nos processos de licenciamento, incluindo a execução da compensação ambiental e o apoio à implantação e gestão das UCs. 

Um dos itens que cria sérios obstáculos à atuação do MP é a controvérsia quanto à regulamentação efetiva sobre o cálculo do montante a ser pago pelos empreendedores. A Lei 9.985/2000, que estabeleceu o instrumento da compensação, determinou limite mínimo de pagamento a título compensatório de 0,5% dos custos totais previstos para a implantação do projeto. Em 2008, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou o piso inconstitucional e, recentemente, estabeleceu novas diretrizes quanto ao cálculo da compensação. 

Apesar disso, as regulamentações existentes para o cálculo da compensação ambiental não contemplam essas diretrizes. O assunto é tratado em capítulo específico no manual, no qual estão relacionadas as discussões mais recentes em torno do tópico, mostrando metodologias internacionais que podem ser referência para a devida apuração e fiscalização pelo MP das informações prestadas nos EIA/RIMA. 

O manual também traz parte dedicada aos mecanismos financeiros de gestão e aplicação do montante compensatório, detalhando o arcabouço legal da constituição de fundos privados na esfera federal, notadamente por meio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Neste ponto, apresenta as regulamentações de 13 estados da federação, indicando os índices de reajustes dos fundos e a base de cálculo de cada um deles. 

Ao fim, a publicação oferece uma série de check lists referentes a diversas etapas da compensação ambiental, um guia rápido e prático que auxilia os membros do MP em questões como a formação de diagnóstico das UCs existentes, a coleta de dados sobre os processos de licenciamento, o levantamento do passivo de licenciamentos devedores de compensação ambiental e o inadimplemento de Termo de Compromisso de Compensação Ambiental (TCCA). 

“A compensação ambiental do SNUC: manual de atuação do Ministério Público” é uma publicação eletrônica produzida pela Abrampa, com apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. O manual pode ser acessado gratuitamente no site da Abrampa

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