Dia Mundial da Água: Cerrado pede socorro na Europa

Neste Dia Mundial da Água, 22 de março, o bioma que é o berço das águas do Brasil, onde nascem quase 4 mil rios amazônicos, grita por socorro mais uma vez. Em missão na Europa durante as duas últimas semanas, representantes do ISPN, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Rede Cerrado e WWF-Brasil foram alertar autoridades e a sociedade sobre a urgência em proteger o bioma Cerrado.

A viagem de incidência política passou pela Holanda, França e Bélgica, de 9 a 22 de março, quando os “embaixadores do Cerrado” trabalharam para sensibilizar governantes, empresas e sociedade civil europeias pelo aprimoramento da normativa europeia (EUDR) que regula a importação de commodities como a soja e carne livres de desmatamento. Leia mais aqui.

Dados da Trase mostram que o Brasil é responsável por 42% da soja e 20% da carne consumidas no mundo. Para isso acontecer, 44% do território do bioma Cerrado, que cobre cerca de 25% do território nacional, está tomado pela agropecuária (Mapbiomas, 2021). A Europa é o segundo maior mercado externo da soja brasileira, que é a principal indutora do desmatamento.

Perda de água

Estudo de doutorado do geógrafo Yuri Salmona, diretor do Instituto Cerrados, mostrou que a produção de commodities agrícolas, que gera desmatamento em larga escala, impacta mais significativamente as vazões dos rios cerratenses do que as mudanças climáticas. A previsão do estudo é que, no padrão atual de conversão de vegetação e com os efeitos das mudanças do clima, teremos uma perda de 34% de água nos rios do Cerrado até 2050. Esse volume todo corresponde à vazão de oito rios Nilo, no Egito.

A tese de Yuri Salmona, que recebeu apoio do ISPN para a pesquisa e foi publicada na revista científica Sustainability em 2023 (leia aqui, em inglês), teve como base o estudo de 81 bacias hidrográficas do Cerrado. Nelas, Salmona analisou dados de 1985 a 2018. O resultado foi que 87% dos rios do bioma tiveram redução de 15% na vazão de água nesse período.

Essa perda de água afetará diretamente a agricultura, a produção de energia elétrica e o abastecimento hídrico na região do Cerrado e nas regiões que dependem da água vinda deste bioma, especialmente nas estações secas.

“A legislação europeia que visa reduzir o desmatamento envolvido nas cadeias de suprimento de produtos consumidos na Europa (EUDR) não surtirá o efeito esperado se não incluir justamente a área onde mais se desmata para produzir a soja que é consumida na Europa. O desmatamento no Cerrado está muito acelerado e o efeito no ciclo da água já está sendo sentido pelas comunidades e também pelo agronegócio. Neste ano, as perdas da safra de soja já passaram dos 15%”, afirmou a coordenadora do Programa Cerrado e Caatinga do ISPN, Isabel Figueiredo.

A atual legislação europeia praticamente só considera aptos de fiscalização produtos provenientes da Amazônia e da Mata Atlântica, deixando outros biomas vulneráveis à destruição. Um estudo recente da ong Mighty Earth mostrou que 64% da soja que a França consome vem do Brasil, sendo 10% do oeste da Bahia, região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) das mais afetadas pela mudança do clima e a que mais desmatou Cerrado entre setembro e dezembro de 2023.