O futuro depende de que as pessoas sejam colocadas no centro das cidades

Por Pedro Somma

Embora durante grande parte da história os seres humanos tenham vivido majoritariamente no campo, desde os anos 2000 essa tendência se reverteu, ou seja, as cidades já concentram a maior parte das pessoas ao redor do planeta. No Brasil, essa realidade já está consolidada: 85% da população do país já reside em áreas urbanas, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD). O impacto desta mudança é enorme e inquestionável, já que o adensamento também provoca uma geração de resíduos e emissões de gases poluentes em grandes quantidades. As construções, via de regra de concreto ou asfalto, no caso das vias, também alteram nossa relação com o espaço, dificultando a circulação de água, por exemplo. Não à toa temos visto este ano um aumento relevante em extremos climáticos com imenso impacto à humanidade, como inundações históricas na Europa e incêndios como raras vezes vistos na Austrália e mesmo no Brasil. As cidades têm sido vítimas de seus próprios impactos onde ocupam.

Em agosto, o Painel Intergovernamental para Mudança Climática (IPCC), órgão vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU), divulgou seu último relatório com dados alarmantes sobre a situação do meio ambiente e as tendências catastróficas caso nada seja feito para revertê-las. O estudo, profundamente embasado com dados e fatos, é um chamado urgente para que reflitamos sobre quais os impactos das ações humanas sobre nosso planeta. Em um contexto como este, nos urge também provocar tais discussões no contexto da mobilidade das Cidades.

A concentração de pessoas nas cidades, por sua vez, impôs desafios imensos para a mobilidade, que trabalha exatamente como seus habitantes se deslocam e vivem o dia a dia. Desde os anos 50, o espaço urbano foi modificado para priorizar essencialmente meios de transporte movidos à combustão, com vias asfaltadas mais largas e políticas públicas de incentivo ao carro. O resultado vê na participação do trânsito nas emissões de CO2: em São Paulo, mais de 70% vem apenas deste setor, como aponta o Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) . Outro estudo, da Escola Politécnica da USP, estimou em 25% o total da área construída da cidade que é destinada para carros, evidenciando uma desproporção imensa no desenho das cidades modernas. Nesse sentido, ainda que se possa argumentar que alternativas energéticas possam atenuar os impactos ambientais causados pelo trânsito, como motores movidos à eletricidade, a ineficiência da infraestrutura urbana seguirá caso não migrarmos para modelos mais sustentáveis de deslocamento. Na prática, usarmos carros elétricos reduz as emissões, mas não endereça o impacto na infraestrutura das cidades, já que a maior parte das viagens seguirá sendo feita por apenas uma pessoa enquanto 4 bancos permanecem vazios, ou seja, uma ociosidade de 80%.

O que fazer, então, para tornarmos a mobilidade mais sustentável? O primeiro passo é colocar as pessoas como protagonistas, como já defendi nesta coluna em outras oportunidades. A partir de uma visão mais humana, passamos a desenhar uma cidade com calçadas mais largas e ciclovias seguras, por exemplo, facilitando que pessoas adotem formas ativas de deslocamento. A mudança para energias mais limpas é, sim, fundamental, mas desde que passemos a dar prioridade aos transportes coletivos. A relação entre a infraestrutura urbana e a mobilidade é inequívoca e torná-la mais eficiente e racional nos dará a oportunidade de abrir áreas verdes, tornando as cidades mais sustentáveis.

Ademais, o uso de tecnologias que possibilitem que pessoas usem os meios de transporte de forma mais inteligente e integrada, com aplicativos como a Quicko, por exemplo, também é importante para facilitar o acesso ao transporte público. Quanto mais fácil for navegar pelo ecossistema de transporte das cidades, mais as pessoas o adotaram como forma preferencial de deslocamento. Tornar as cidades mais fáceis para as pessoas é chave para mudar o comportamento das populações.

Como aponta o relatório do IPCC, esta discussão é absolutamente urgente e a inação tem impactos catastróficos. Precisamos agir o quanto antes para que eventos climáticos extremos não sejam nosso cotidiano daqui para frente. Neste reencontro com a cidade após as fases mais rígidas da quarentena imposta pelo coronavírus, ter este alerta da ONU em nossas mentes é mais do que uma preocupação: é um convite para mudarmos.