O Passivo Ambiental do Coronavírus

Em tempos de pandemia, decisões são tomadas, obviamente, visando a saúde e o bem estar da população mundial. Entretanto, não podemos nos esquecer que o meio ambiente é, invariavelmente, afetado por essa tomada de decisões. E embora pareça óbvio, ele é colocado em segundo plano quando, na verdade, deveria ser considerado concomitantemente na adoção de novas práticas e medidas de combate.

Além das iniciativas da administração pública para controle do contágio e tratamento das vítimas, outra vertente que afeta grandemente o meio ambiente é o pânico que se espalha pela população.

Tomados pelo medo, milhares de pessoas se dirigem a farmácias e supermercado para estocar quantidades de alimentos, álcool gel e máscaras cirúrgicas para uso próprio, sem se dar conta do impacto gerado pelo consumo não consciente. Ou será que alguém pensou nas milhares de embalagens plásticas que estão sendo geradas e descartadas sem seletividade para reciclagem ou aplicação de logística reversa? Quantos desses alimentos se estragarão e irão parar nos já sobrecarregados aterros sanitários? Qual o percentual de plástico que já haviam sido excluídos dos processos de embalagem voltaram a ser utilizados devido à preocupação com a higiene dos alimentos?

E quanto às máscaras? Esse resíduo precisa ser descartado obedecendo-se às normas de biossegurança aplicáveis aos RSS – Resíduos Sólidos de Saúde. Como são utilizadas para controle de dispersão de vírus, precisam ser consideradas como material infectante, e obedecer às normas de descarte e destinação. Quando a iniciativa pública orientou que essas máscaras, após utilização, devem ser dispostas em sacos brancos leitosos que deverão ser lacrados e entregues nas redes públicas ou privadas de saúde para que sigam com resíduos de mesma classe de risco para sua destinação adequada? As unidades de saúde foram orientadas à recebe-los?

No Rio de Janeiro, as máscaras já estão espalhadas pelas ruas da cidade como confetes de carnaval!

Há ainda os casos de grandes empresas que, de forma solidária, estão produzindo e distribuindo frascos de álcool gel para hospitais das áreas mais afetadas. A iniciativa é louvável, mas é mais um exemplo da exclusão das questões ambientais na elaboração de projetos e na tomada de decisões. 500 mil unidades de frascos de 237 ml serão distribuídas por uma companhia de bebidas. 500 mil garrafas pet que deverão ser descartadas. Um planejamento que inclui a gestão ambiental deveria considerar embalagens maiores para fracionamento nos dispensers de álcool gel já existentes nos hospitais da rede pública e privada que irão receber essas doações.

Veja bem, não estou aqui criticando essas iniciativas. Estou apenas ponderando o impacto da não observância das questões ambientais no planejamento público e privado.

Em meio ao caos gerado pela pandemia, temos recebido incríveis notícias da recuperação de ambientes outrora severamente poluídos devido à ação antrópica. Ações contra o coronavírus reduziram emissões de gases do efeito estufa na China (https://www.redebrasilatual.com.br/ambiente/2020/03/acoes-contra-coronavirus-reduziram-emissoes-de-gases-do-efeito-estufa-na-china/); Sem turistas, os canais de Veneza voltam a ter águas cristalinas (https://www.archdaily.com.br/br/935859/sem-turistas-canais-de-veneza-voltam-a-ter-agua-cristalina) e até golfinhos e cisnes reaparecem nos canais italianos devido à melhoria do ecossistema (https://catiororeflexivo.com/agora-foi-a-vez-de-golfinhos-e-cisnes-aparecerem-nos-canais-de-veneza-apos-a-quarentena-na-italia/).

Até quando vamos continuar ignorando os impactos das nossas ações no meio ambiente? Até quando a gestão pública e privada vai negligenciar esse aspecto dentro de seus planejamentos?

A Terra apertou o botão de “reiniciar” e está nos dando uma grande lição. Será que estamos mesmo aprendendo?