Pra fazer filosofia

Acredito que devido ao fato de eu ser professor, muitos me fazem muitas perguntas. E entre as muitas coisas que me perguntam, muitas perguntas são sobre o que é filosofia. Perguntam se filosofia é isto ou aquilo?

Claro que tenho que responder. Afinal, pra que servem as perguntas se não para provocar respostas? Mas em resposta, respondo que não sei a resposta! Ou melhor, não sei dar a resposta que eles querem sobre a filosofia ser isto ou aquilo.

Dependendo da inspiração, acrescento, e não é exagero o que digo, que filosofia não é isto nem aquilo; mas dá pra dizer que filosofia é tudo isso. Mas tudo isso sem ser isto ou aquilo!!!

E o interlocutor não deixa passar: Mas tudo isso o quê? E como não é nem isto nem aquilo? E como pode ser isso e aquilo?

Ai me vejo obrigado a explicar: Primeiramente, e pra dizer a verdade, filosofia não é! Ela está menos para presente do indicativo e muito mais para gerúndio: ela vai se construindo…

Não se concebe a filosofia como algo pronto: estátua, feito banheiro de passarinho, numa praça deserta. Cabe mais a afirmação de que ela se parece com a chuva fina que lenta, progressiva e continuamente umedece a terra… aquela chuvinha que, sem que se perceba, ajuda na fertilização da terra estimulando seu potencial de vida, estimulando a vida nova da semente plantada. E nesse processo de umidade e fertilidade vão germinando as sementes das ideias…

A filosofia não é fruto do corre-corre tresloucado deslocando a capacidade de pensar para a obrigação do fazer… e nessa loucura se faz de tudo menos pensar! E o processo do pensar é a dinâmica da filosofia. Por isso a filosofia tem a ver com dinamicidade do pensamento.

A filosofia não É, como coisa pronta. Ela se explica na dinâmica porque exige uma postura de movimento. Pedra bruta sendo polida ao longo do tempo pela torrente do fundo do rio. Com a filosofia ocorre aquilo que é típico dos cães farejadores, cheira aqui e ali quase sempre consegue encontrar coisas novas a serem relacionadas com as antigas; com ela se podem relacionar coisas tradicionais fazendo germinar novidades. Com ela os saberes tradicionais, vão se tornando coletivos e viram ciência/sapiência, envolvendo a tudo e a todos, propondo, depois das soluções, novas interrogações!

O processo filosófico é dinâmico, mas não tem a ver com a ideia do movimento pensado pela física, calculando tempo e espaço, embora possa estar na indagação sobre o tempo e o espaço e a energia… Tem a ver com transição constante como foi anunciada e inaugurada por Heráclito (e outros antes dela), dizendo que no mesmo rio não se entra duas vezes… pois tudo flui… “Nada do que foi será, de novo, do jeito que já foi um dia”, disse o poeta.

Por isso não existe filosofia na estagnação da água parada, fétida, nefasta à vida e a saúde; de forma oposta, ela tem o dinamismo de um profundo poço de águas límpidas e refrescantes… como a se oferecer, mas se se exibir; disponível, sem ser assanhado!

Fazer filosofia exige o parar, mas o parar, para a filosofia, não é estacionar, como a pedra à beira da estrada cujo fim é terminar coberta pela vegetação rasteira; fosse assim ela já teria desaparecido, encoberta pela poeira do tempo, cortina ocultando nas dobras do esquecimento tudo aquilo que não desenvolve uma constante dinâmica para a renovação ou pela sua inovação.

O parar, aqui, como se pode notar, refere-se aos momentos facilitadores da dinamicidade do pensamento inovador. O parar, da filosofia, não é o estacionar do trem, para descarregar no ponto final, mas do metrô, em cada ponto se reabastecendo de novos passageiros. Para-se, não como quem morre, mas como que renasce a cada dia em novas ideias, com a finalidade de aprender com o que já existe e, ao mesmo tempo, para projetar, propor e incrementar novos conhecimentos que fundamentam novos saberes.

Por isso a filosofia não é, mas está sempre se fazendo e recompondo e refazendo. Não se assemelha ao ponto final do texto, mas aos dois pontos que sugerem proposição de novas perspectivas. E isso pode ser uma das explicações de tantas filosofias, tantas correntes de pensamento. Talvez por isso, antes de se constituir num corpo sistemático, como aprendemos com os gregos, ela caminhava com o ser humano desde as primeiras indagações com as primeiras respostas gerando novos questionamentos. Afinal de contas, será que alguém já tem uma resposta definitiva para algumas das grandes questões da humanidade: de onde vim? Para onde vou? Quem sou eu? O que sou eu?

O fato é que se faz filosofia, mas ela nunca está pronta. E elas se faz sempre no processo de destilação do conhecimento acumulado; no processo da sedimentação dos saberes adquiridos, de forma que todas as informações atuais são lapidadas e se convertem no inebriante diamante da sabedoria que se curva, na reflexão cotidiana, e se faz semente querendo renascer.

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Neri de Paula CARNEIRO - Mestre em Educação UFMS (2008); especialista em metodologia do ensino superior, UNESC-RO (2002); licenciado em história pela Universidade Federal de Rondônia (1999); bacharel em Teologia pela Instituto Teológico de Santa Catarina (1989) graduado em Filosofia - Seminário Arquidiocesano Instituto Paulo VI - Londrina (PR) (1984). Professor concursado do Estado de Rondônia. Tem experiência no magistério desde 1992, como professor de ensino médio e superior, atuando nas áreas de Filosofia, História e Educação. Atua como colunista semanal em jornais regionais. Produtor e apresentador de programa radiofônico. Desenvolve atividades voluntárias ligadas à Igreja Católica, em Rolim de Moura-RO.